TECNOLOGIAS | O controle de tração pode prejudicar-nos em estradas de terra cobertas de lama? Existem muitas opiniões e comentários a este respeito. Mas, de modo geral, o controle eletrônico de tração favorece a capacidade motriz do veículo, mesmo em pisos de baixa aderência como lama e gelo.
João Lourenço
O controle de tração funciona de forma semelhante ao sistema de anti-bloqueio da travagem (ABS), mas com finalidade oposta. Lê a velocidade exata de cada roda e, caso alguma esteja a girar mais que as outras (além do necessário para fazer uma curva, se for o caso), o sistema interpreta como perda de tração. A sua primeira providência é acionar o travão dessa roda, para que haja uma resposta rápida para redução de sua velocidade. Em seguida, se a tendência para patinar continuar, o sistema reduz o torque do motor atrasando o avanço de ignição (a resposta é quase instantânea), podendo migrar para o corte de injeção de combustível e, por último, ativar o fecho parcial da borboleta de aceleração.
Vou então dar como exemplo uma subida de pouca aderência, com lama ou neve, para ‘vencer’ em primeira velocidade. Após 1 a 2 segundos, o sistema limita a abertura do corpo de borboleta para reduzir o torque; isto nos sistemas mais modernos, uma vez que nos veículos mais antigos esse corte de torque é súbito e sem necessidade).
A teoria da Física por trás do controle de tração é a mesma do ABS: o coeficiente de atrito estático é maior que o coeficiente de atrito dinâmico. Ou seja, a força de atrito é maior quando o objeto está parado, mas essa força cai a partir do momento em que o objeto começa a deslizar sobre a superfície de contato. Quem já empurrou uma estante pesada percebe esse fenómeno: assim que a estante começa a escorregar pelo piso, fica mais fácil empurrá-la.
Se passarem esse mesmo raciocínio aos pneus do veículo, eles sempre estão com a sua área de contato com o solo estática, parada — a menos que se estejam a patinar as rodas numa saída forte, travando-as numa travagem forte ou mesmo a escorregar lateralmente. Nessas situações, em teoria, a força de atrito resultante é menor que a máxima, no caso a do atrito estático. Mesmo em alta velocidade, a área de contato estará estática em relação ao solo.
Por que “em teoria” no caso do pneu? Porque o pneu, na prática, está longe de ser um objeto perfeitamente rígido e com comportamento linear. No mundo real, o pneu atinge o seu atrito máximo quando há um pequeno escorregamento de sua área de contato — em média, um escorregamento de 20%. É por essa razão que o ABS deixa as rodas travarem levemente.
O COEFICIENTE DE ATRITO
O coeficiente de atrito dos pneus, na prática, é maior com cerca de 20% de escorregamento: é por isso que o ABS permite ligeiro travamento de rodas. Portanto, o controle de tração também tenta buscar esse limite de escorregamento para que haja a maior capacidade de tração possível. No caso de lama ou mesmo gelo, existe uma grande possibilidade do sistema melhorar muito o comportamento do carro, pois nessas superfícies o coeficiente de atrito dinâmico é muito mais baixo que o coeficiente de atrito estático. Nesses casos, o escorregamento favorece uma queda súbita na capacidade de tração.
Por outro lado, de acordo com o tipo de terreno e as características do pneu, pode haver perda na capacidade de tração ou de travagem se impedimos o escorregamento. No caso da travagem é mais simples de entender: caso a roda trave numa superfície como areia ou terra solta, o pneu “cava” o solo e cria uma barreira à sua frente, o que aumenta o esforço de frenagem, com prejuízo da dirigibilidade. É o que faz, por exemplo, o modo Off-Road (fora de estrada) do ABS disponível em modelos da Volkswagen como o Amarok.
Já no caso de tração, pode-se ter aumento da capacidade de tração quando o pneu “empurra” a lama pela frente, sobretudo com pneus com tacos maiores (o que não é o caso do VW Up).
Com esse objetivo, os fabricantes de pick-ups e utilitários desportivos têm adotado seletores de programas que adaptam parâmetros do veículo (entre eles, o controle de tração) conforme o tipo de terreno. O Peugeot 2008 THP, por exemplo, pode adaptar seu sistema Grip Control aos modos Normal, Neve, Lama (também adequado a grama molhada), Areia e ESP Off (que desliga o controle de estabilidade).
Na foto acima, o esquema de vetorização do Ford Focus RS