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Levar uma pequena Vespa 50 aos quatro cantos do mundo, foi o desafio a que se propuseram Giorgio e Giuliana. Pintaram-na com as cores do ‘General Lee’ - da famosa saga dos Irmãos Duke – e viajaram do Canadá aos Estados Unidos.
Toronto, Canadá. Pela primeira vez, encontramos o General (a Vespa 50) já na garagem à nossa espera. Ah, sim, desta vez somos beneficiados… Tenho parentes neste país e também cidadania, então só temos metade do esforço a fazer para recuperar o veículo. Consegui também o passaporte em poucos minutos e o seguro para a Vespa por telefone, 120 dólares canadenses por um ano.
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Antes do começo da viagem fomos ao centro de Toronto, onde Ian Brown, presidente do Vespa Club Canada, organizou uma festa de boas vindas para nós. Ele mora em Halifax, e através da internet garantiu que ia conseguir um acordo para nos apoiar em todos os sentidos, envolvendo os vários clubes em todo o país, e ele fará isso, incrivelmente durante toda a viagem!
Já na estrada e a rolar, confesso que passa por mim sempre um milhão de arrepios quando ando pelas estradas americanas e, mesmo desta vez em cima do General, mas no Canadá é ligeiramente diferente. O motor puxa mal neste primeiro dia, com uma aceleração brutal e sem sequer a rodagem convenientemente feita, mas a confiança que depositamos nele é total!
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Observo a paisagem, as casas e as árvores e surge depois a natureza deslumbrante, feita de azuis cristalinos e lagos turquesa, transparentes quase como o mar de Salento esses lagos estão por toda a parte. A estrada sobe e desce continuamente, e ver de cima este oceano de árvores é quase assustador, sim, é imenso o que se vê, os topos de milhões de árvores que tendem para o céu como se fosse um dever, uma missão, e ficamos com aquela sensação de finalmente entender o sentido da vida.
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Dormimos junto a um lago… com 2 ou 3 graus!
Decidimos pernoitar na tenda perto de um lago, passar a noite no meio do nada e também com quase nada para fazer: o lugar perfeito para dormir é sempre depois da próxima curva! Estamos já acima do Lago Superior e aqui a temperatura é de cerca de dois ou três graus à noite, e o vento parece trazer esse frio para junto de nós. Acendemos uma fogueira e quase nos colocámos no lume para nos aquecer, girando continuamente como se eu fosse um pedaço de carne para ser cozido.
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Junto ao filhote e à mãe ursa
No dia seguinte estamos a subir em segunda velocidade e a 30 km/h. Um filhote de urso está na encosta ao nosso lado, tem o cabelo despenteado, parece desorientado, mas olhando-o bem nos olhos, percebo que não é assim. Nunca esquecerei aquele olhar, os seus olhos vêem-me a alma e ao mesmo tempo mostram a sua, que é livre, orgulhosa, poderosa e selvagem, uma sensação tão límpida a ponto de fazer de nos fazer sentir insignificantes.
Estou tentado a parar para permitir que Giuliana tire uma foto, mas mais alguns metros à frente vejo outra ursa, que certamente será a mãe e que pode não gostar da ideia. E assim, prosseguimos viajem, deixando o filhote e a mãe ursa na sua liberdade genuína.
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Algumas dezenas de quilómetros depois o vento parece louco, continuamos na Vespa como se fôssemos folhas de papel em queda livre, jogadas para a direita e para a esquerda; a temperatura começa a ser baixa mesmo durante o dia, por causa deste imenso lago, quase tão grande como o mar Adriático. Levámos três dias para o contornar!
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Atravessando Ontário e Manitoba
Atravessando as províncias de Ontário e Manitoba entramos no Saskatchewan. Agora as tempestades brancas e negras seguem uma após a outra, felizmente alternadas por altas temperaturas. Viajamos debaixo da água durante cinco horas consecutivas e o General surpreende-me de novo: é imparável, galopa como um potro enlouquecido e ouvir aquele pequeno motor 50 a cantar em todas as situações e sem nunca se cansar, soa sempre a algo milagroso.
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O céu nesta parte do mundo é impressionante, é quase tão belo quanto o paraíso; às vezes parece que estamos num avião e não em terra, o céu azul, as nuvens brancas e um verde imenso cega-nos de curiosidade.
Os bosques de Ontário estendem-se a perder de vista, vêem-se extensões intermináveis que parecem dar a volta ao mundo. Contudo, o vento continua fazer-nos viajar como num barco à vela e a adrenalina parece esguichar para as estrelas, é um sentimento viciante viajar assim.
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O ‘vício’ já tomou toma conta de nós
Quando paramos em alguma aldeia, com motéis ou acampamentos disponíveis, permanecemos alguns segundos em silêncio e com o motor em marcha lenta, mas nem sequer o desligamos, porque a estrada interminável à nossa frente não permite… o vício da Vespa 50 parece ter tomado conta de nós, preciso de continuar a ouvir as vibrações do motor e sentir a força do vento contra o rosto e o peito.
Vamos encontrando vacas e touros ao longo da estrada, enquanto um pássaro com a canção de uma fada está ao nosso lado sempre que paramos para descansar por alguns minutos ao lado da estrada. O General marca 3000 km, a estrada continua até onde as nuvens cortam a terra, abrindo uma passagem entre o céu e o inferno. A razão pela qual fazemos tudo isto, ainda não entendi, mas também não procuro a resposta; apenas sigo em frente... com um flash, um abraço, um sorriso.
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No temporal prestes a perder a roda traseira
Parece que está para chegar um temporal, um daqueles forte que nos empurra e deita ao chão. Procuramos um abrigo e vemos uma velha casa com as palavras "Bar Motel" partidas, quase prestes a cair, com dois bêbados velhos lá dentro. Dizem-nos que não têm quartos, apenas cerveja e uísque; então temos que seguir mais 50 km durante noite e com a tempestade cada vez mais perto, e o pior é que percebemos que estamos prestes a perder a roda traseira.
Assim que parámos por instantes, ambos constatámos que tínhamos o rabo duro como pedra dos muitos solavancos da roda traseira, mas, desistir não é o nosso lema.
Com a moto neste estado poderíamos aleijar-nos. Rapidamente, acelerei tanto quanto podia mas, sentia a cada quilómetro que os pinos da roda estavam cada vez mais consumidos e prestes a quebrar, permanecendo ligados por alguns milímetros de ferro.
Está frio, e eu tremo como uma folha, não consigo manter o guiador firme! Só tinha passado por tal coisa na Namíbia: não posso fazer nada, não importa o quanto eu tente ir calmo, o guiador oscila inexoravelmente… supliquei, “por favor General, leva-nos a algum lugar, até mesmo um posto de gasolina”.
(Continua…)
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