As relíquias americanas de quatro rodas que circulam em Cuba, converteram-se em veículos emblemáticos da Ilha de Fidel, mantendo-se vivas e valorizadas até aos nossos dias. Existe no entanto, uma questão pertinente a colocar sobre os mesmos. Poderá o restabelecimento de relações diplomáticas entre Havana e Washington, estarão estes ‘almendrones’ em vias de extinção? Qual o futuro dos clássicos carros cubanos? Por Ricardo Ferreira
Os ‘almendrones’, com cores espalhafatosas, são um retrato típico da capital cubana. Assim são designados na 'Pérola das Caraíbas' os carros americanos dos anos 50 que ainda circulam nas ruas de Havana ou Santiago, as duas cidades mais populosas de Cuba. São peças de museu rolantes, memórias da Guerra Fria e da revolução, que podem ter os seus dias contatos... ou talvez não? A reabertura das relações diplomáticas entre Havana e Washington, implica uma atualização da sociedade cubana, de muitas maneiras e, certamente, uma deles será também a renovação do seu parque automóvel.
Uma das consequências trazidas pelo embargo comercial na ilha, decretado em 1962 pelo governo dos EUA como medida para tentar travar a revolução de Fidel Castro, foi a impossibilidade de se adquirir peças de reposição para os Dodge, Ford , Chevrolet , Plymouth , Packard, e outras marcas americanas que se tinham estabelecido em Cuba antes da chegada do regime comunista. Os proprietários destes carros, foram então forçados a usar a sua imaginação e os recursos locais para os manter operacionais. Desde motores de trator da antiga União Soviética, aos frigoríficos geladeira instalados no seu interior, de tudo se fez para os manter vivos e funcionais, facultando a muitos cubanos a única possibilidade de ter um carro.
Os cubanos, com o seu humor habitual, trataram então logo de batizar estas obras de museu rolantes como ‘Almendrones’. É difícil de saber a origem desta designação, mas de acordo com alguns jornalistas cubanos este nome provém do formato de amêndoa destes carros dos anos 50; outros dizem que esse nome derivou das mudanças de materiais e cores que neles ocorreram com o passar do tempo mas mantendo inquebrável a sua imagem original. Obviamente, a segurança e conforto não podem ser garantidas por estas peças de museu vivas, mas num país com um fraca rede de estradas e um transporte público primário, ainda hoje desempenham um papel vital de transporte a um preço acessível, ideal para os baixos salários dos habitantes da Ilha.
JÓIAS DO TURISMO
Não existe um censo oficial de quantos destes clássicos ‘remendados’ ainda existem em Cuba. No entanto, as
autoridades afirmam que, diariamente circulam em Havana e Santiago (as duas principais cidades) cerca de 10.000 destes saudosos veículos, embora o número total seja provavelmente de cerca de 75.000 em todo o país . Paradoxalmente, os ‘almendrones’ (durante décadas vistos como um símbolo de atraso tecnológico e de pobreza) acabariam por se tornar numa das imagens icónicas de Cuba, e mesmo uma das maiores atrações da Ilha!
Pela primeira vez desde o triunfo dos "barbudos", o governo de Cuba não só não se envergonha destas suas relíquias pré-revolucionárias, como as começa a ver como um património nacional que a todo o custo deve ser conservado . A compra e venda de veículos, autorizada somente há três anos atrás, está agora reservada para os cubanos, mas também, de Miami, começam a chegar numerosos pedidos da enorme comunidade cubana que ali se fixou, para importação dos ‘almendrones’ originais para o continente, aguardando a todo o momento as barreiras comerciais caiam totalmente e se permita o livre comércio entre os dois países. Esta é uma ameaça concreta para os clássicos carros dos anos 50.
Conscientes disto, e de que nos tempos que ai vêm, ter um ‘almendrón’ na garagem será como ter em casa um tesouro, o valor destes carros aumentou escandalosamente num curto espaço de tempo.
Para os conhecer, basta fazer um curto passeio a pé pelo Viejo Malecón (praticamente sobrelotado com ‘almendrones’ de todos os tipos, tamanho e estado de conservação). Depois, consegue dar-se conta da evolução do conceito, vendo que as engenhosas carroçarias se mantêm intactas, apesar de serem cada vez mais frequentes as restaurações profissionais nos serviços de táxi para os turistas. E assim, enquanto as coisas não mudam na pérola das Caraíbas, por 25 dólares por hora ainda é possível viajar atrás no tempo e sentir-se como um Elvis ou uma diva de Hollywood dos anos 50, sentado (a) no enorme banco de trás de um Cadillac um Buick ou um Studebaker.
Aproveite enquanto ainda vai tempo!